Nestas páginas
iniciais, em diálogo com Gaston Bachelard, o meu objetivo é demonstrar a
possibilidade de se alcançar o cogito(4) da realidade espiritual por
intermédio da Arte Literária, sem que, com isto, o indivíduo (orientado por
exigências do intelecto) se desequilibre no plano das atitudes de vida socialmente
aceitas.
Neste caso
específico, nos capítulos seguintes, estarei a dialetizar e a reinterpretar
algumas narrativas de Guimarães Rosa, seguindo uma provável cronologia,
intencionando provar que o Artista brasileiro, nato do sertão, conseguiu elevar-se
ao referido cogito no plano da Literatura-Arte.
O cogito(4), na filosofia bachelardiana, é um estágio de
pensamento de difícil ascensão, já ligado ao plano do Espírito, o qual
possibilita ao ser humano projetar-se para fora da linha vital. Por este ângulo,
Bachelard admite a possibilidade de vários cogitos superpostos, inclusive a
possibilidade de cogitos desconhecidos acima do cogito(4). Porém,
visando o equilíbrio mental/social do homem, destaca apenas três potências do
pensamento (cogito(1), cogito(2) e cogito(3)),
afirmando que estas forças são as únicas que ainda oferecem uma particular
felicidade ao indivíduo (conhecedor
do cogito(3) do pensamento puro), além de proporcionarem a aceitação
de idéias elevadas por parte dos representantes dos cogitos um e dois.
Por este ponto de vista, aqueles que alcançam o cogito(3)
não se desprendem totalmente dos cogitos um e dois, vivendo numa interação
salutar com os outros membros da sociedade, no plano do cogito ao cubo (plano
vital), e recebendo desses uma respeitosa reverência. Em outras palavras, os
que recebem a marca da individualidade são aceitos como excepcionais, mas não
são considerados totalmente excêntricos pelo grupo social a que pertencem, ao
contrário, suas idéias são bem recebidas e imitadas.
Enquanto os cogitos um e dois são lineares — cogito(1):
primário / cogito(2): transitivo —, o cogito(3) é lacunar, pois é propriedade exclusiva do
indivíduo que pensa além dos pensamentos instituídos. O cogito(3)
seria assim o plano mental do ser humano possuidor da chamada consciência pura (ou consciência singular). A consciência pura seria a
consciência daqueles que não se deixam envolver pelos valores vitais.
A ascensão ao cogito(4) (plano espiritual), segundo Gaston
Bachelard, oferece perigos ao pensador, pois se situa fora das exigências
vitais. Entretanto, poderá ser pressentido por estudiosos capacitados, por
intermédio de insólitos textos ou de estranhos desenhos das chamadas pessoas iluminadas.
No que diz respeito ao reconhecimento do cogito(4) nas
narrativas de Guimarães Rosa, as quais serão aqui realçadas, e certamente nos
capítulos a elas destinados, apresentarei a minha posição de teórico-crítica
exclusivamente ligada à Teoria Literária, uma vez que dialogarei com as teorias
filosóficas de Gaston Bachelard pelo ponto de vista da interdisciplinaridade,
reivindicando, sempre que for necessário, a minha condição dual de analista e
intérprete do texto literário, de acordo com os preceitos da
interdisciplinaridade. Centralizando meus argumentos interpretativos no cogito(4), procurando provar que o
referido cogito pode ser detectado no plano da Literatura-Arte, intenciono
desvincular-me das tradicionais barreiras dos modelos críticos
formalistas/cientificistas, por meio da contribuição de pensamentos oriundos da
filosofia assinalada, admitindo assim novas possibilidades de incursão crítica
no universo literário.
Entretanto, uma importante advertência devo aqui salientar: esta teoria
não é bachelardiana como parece ser. Utilizo-me de alguns pensamentos de
Bachelard, aproprio-me de algumas de suas idéias e estarei aqui em permanente
diálogo com seus textos, mas o argumento que me orienta relaciona-se com a
hermenêutica (a renovada hermenêutica do final do século XX e início do século
XXI), proporcionando-me distinguir no texto alheio o reflexo de meus próprios
conhecimentos. Por tais motivos, hermeneuticamente estarei dialogando com a
filosofia de Bachelard, uma filosofia ligada à razão, à sabedoria, às origens
do pensamento do homem e suas causas posteriores; uma orientação filosófica que
tem por base uma fenomenologia que imerge
na mais profunda raiz do pensamento ocidental. E, de certo modo,
conscientemente poderei dizer que este é o meu Bachelard, isto é, tenho de
Bachelard uma certa leitura e aproximação muito mais literária do que
filosófica.
Restabelecendo um importante juízo de Bachelard, registrado em seu
livro A DIALÉTICA DA DURAÇÃO, no qual admite a possibilidade de intervalos temporais propiciando o
surgimento de obstáculos, desvios, impedimentos, que poderão ou não quebrar as
cadeias causais (ou seja, entre causa e efeito há sempre uma intervenção de
acontecimentos possíveis que não estão ligados ao dado causal), colocarei aqui
em evidência meus pensamentos dialetizados, situando-os exatamente nesse plano
de probabilidades. Este meu ponto de vista teórico-crítico, interagindo aqui
com a filosofia bachelardiana, é uma teoria não-causal no plano da Arte, uma
vez que estarei buscando novas argumentações críticas (transmutando pensamentos
já avaliados, aspirando a uma renovação nos atuais estudos da literatura
brasileira), próximas de nossa realidade cultural, objetivando desenvolver um
intercâmbio de idéias comunitárias com nossos artistas literários.
Não estarei presa simplesmente à causa, mas interessada em ultrapassar
os obstáculos, visando muito mais o que poderá surgir como novidade no âmbito
da Teoria ou da Crítica Literária, neste início de Terceiro Milênio. Penso
assim movimentar-me para um novo início teórico-crítico, que abarque a realidade
literária da qual faço parte, como leitora-intérprete consciente da urgência de
invenção de uma variante crítica autóctone que acompanhe a criação literária de
nossos escritores. Uma teoria causal, objetivando um fim imediato, por ora,
seria impossível, devido aos inevitáveis obstáculos, mas nada irá impedir-me de
aventurar-me nas veredas das
probabilidades quantificadas, probabilidades estas que darão conta
posteriormente dos resultados que procuro obter.
Nestas páginas iniciais, é necessário esclarecer que o meu envolvimento
intelectual com a filosofia bachelardiana surgiu de uma íntima recusa em seguir
fielmente os modelos europeus, analítico-cientificistas, de como se desenvolver
um estudo literário. É importante realçar que esses modelos foram projetados
para o estudo de obras literárias voltadas para a realidade européia, as quais,
em absoluto, não se ajustam à nossa realidade. As pesquisas acadêmicas, sobre a
literatura brasileira, deveriam pautar-se por um conhecimento
teórico-interpretativo próprio, um direcionamento crítico que se identifique
mais com as idéias criativas de nossos narradores e poetas. Por tais motivos,
repito: As teorias e críticas literárias européias foram inventadas para
suprirem as necessidades de análise e/ou compreensão de textos literários
europeus. É preciso enfatizar que essas teorias não abrangem o todo de nosso
universo literário, uma vez que não foram pensadas em função de nossas
vivências. Entretanto, mesmo afirmando a minha intenção de dialogar com os
conceitos bachelardianos (conceitos filosóficos oriundos da Europa), quero
reafirmar que, ao longo desta sondagem interdisciplinar, o meu ponto de vista
sobre a ficção roseana desenvolver-se-á sob uma particular interpretação dessas
idéias.
Para a compreensão de minhas posteriores argumentações, ao longo dos
capítulos deste livro, faz-se necessário repetir e explicar (por um processo de
abordagem nitidamente tautológico) que o cogito(4), segundo
Bachelard, não se liga ao plano vital (de causa e efeito), mas ao plano espiritual
de difícil ascensão, e o meio racional para reconhecê-lo seria pensar o
intervalo vazio entre ambos.
Por esta via, se repenso a literatura-arte brasileira do século XX,
dou-me conta de que ela é originária do Mundo
do Silêncio (também conhecido por Vazio
Criador ou Vazio Bashoniano). Os
escritores das estéticas modernistas e pós-modernistas e os atuais estudiosos
de teoria literária são os venturosos conhecedores desse mundo sem formas
estabelecidas. Os Artistas — ficcionistas e poetas — dessas estéticas (íntimos
dessa realidade insólita) iniciam suas criações no auge de suas oposições aos
hábitos inveterados da realidade que os cerca. Rejeitando os limites vitais,
chocam-se com a vida ordinária e tentam, literariamente, fazer o tempo refluir
sobre si mesmo, racionalizando e, ao mesmo tempo, sentimentalizando em um grau
superior, distanciado dos sentimentos telúricos (esteticamente), suas próprias
realidades subjetivas, procurando renovar velhos conceitos ou criando novas
substâncias. É necessário ressaltar que, no que se refere aos modernistas e
pós-modernistas brasileiros, o ato de sentimentalizar
intimamente e esteticamente é bem diferente do sentimentalizar romântico, é um
sentimentalizar que passa pelo crivo da razão.
Ao invés de se originar do plano histórico (contínuo, linear), a
autêntica criação ficcional brasileira do século XX (incluindo as narrativas
sertanejas de Guimarães Rosa a partir de A hora e vez de Augusto Matraga, obras
literárias reconhecidamente verticais) tem sua origem no mundo do Vazio Criador
(o já nomeado Mundo do Silêncio). Originária deste mundo informe, ela só fará
parte do plano dos fenômenos já conceituados depois do repouso ativado do
escritor, quando o sentimento inicial, telúrico, tornar-se parte integrante da
duração pela razão, transformando-se, como já foi dito, em um sentimento
renovado.
Para demonstrar esta transformação literária nos textos ficcionais de
Guimarães Rosa, busquei a contribuição da filosofia de Bachelard. A partir
deste auxílio, poderei reafirmar a minha proposta teórico-crítica, seguindo
evidentemente um roteiro previamente elaborado, no qual destacarei alguns temas
importantes, consciente de que os mesmos contribuirão para reforçar o
desenvolvimento de minhas argumentações, unindo as idéias que formarão o
alicerce de meu objetivo. Assim, verificarei, em primeiro lugar, a relação do
escritor com a obra, considerando que as narrativas têm com o sertão da
infância, da adolescência e das recordações uma relação interna indissolúvel,
já que foi dito que este sertão em especial é o inventor da obra literária
roseana, e o contrário também vale: o texto ficcional criou o sertão roseano.
Na primeira parte de minhas assertivas, falarei do sertão mineiro
propriamente dito, o sertão sócio-cultural, atavicamente preso à infância do
escritor Guimarães Rosa, evidentemente, revelador do aspecto paradoxal de sua
personalidade, por um lado, comprometida com os valores da modernidade (ao
vivenciar cotidianamente essa modernidade), entretanto, por outro lado e ao mesmo
tempo, muito mais comprometida com os valores sertanejos. É lícito observar que
o escritor de origem sertaneja, em sua ficção
poética (conceituação do próprio Guimarães Rosa, na Entrevista ao crítico alemão
Günter Lorenz), procura ressaltar um determinado sertão, aquele de sua
infância, que se encontra distanciado, temporal e socialmente, da realidade
sócio-geográfica do sertão do Estado de Minas Gerais, realidade esta refletora
da deterioração de uma sociedade brasileira mal-edificada.
Partindo do princípio de que a questão é importante, já que se liga aos
temas tempo e espaço, e conseqüentemente ao tema dos cogitos superpostos,
observarei, em um pequeno capítulo, pela ótica poético-filosófica de Gaston
Bachelard, a obra ficcional de Guimarães Rosa, vigilante à possibilidade de ver
(ou perceber) no referido sertão a casa
inesquecível e seus recantos secretos, da qual fala o filósofo-camponês
(nascido em França, na região vinícula da Champanha) em sua POÉTICA DO ESPAÇO.
Referindo-me ao escritor Guimarães Rosa e ao seu lugar de origem,
tratarei do tema das máscaras sociais, no intuito de demonstrar a sua ascensão
socio-intelectual de brasileiro, do sertão do Estado de Minas Gerais, lugar que
ainda resguarda anteriores vivências primitivas, no mundo moderno das cidades,
e o seu retorno às origens sob o predomínio da Arte Literária.
O tema das máscaras sociais privilegiará uma reflexão sobre esse homem
incomum, herdeiro das experientes normas de seus ancestrais, em face da moderna
e intelectualizada cultura das metrópolis e magalópolis. Esse homem,
socialmente e intelectualmente reverenciado, entrará na primeira parte desta
propedêutica, quando verificarei a relação do Ficcionista, superior, culto,
integrado à sociedade elitista, com o sertão da infância, espaço este
lingüisticamente criticado e socialmente rejeitado pelas camadas urbanas mais
elevadas.
A seguir, destacarei a intermediação entre este processo inicial e o
princípio da verificação do conteúdo narrativo-ficcional repleto de matéria de
procedência poética. Neste capítulo, estarei dialogando com os pensamentos
filosóficos de Gaston Bachelard sobre o tempo suspenso entre o antes e o
depois, tempo este que não se adéqua às exigências vitais, lineares, do tempo
histórico. Esclarecendo melhor, retomarei reflexivamente o entendimento
bachelardiano sobre a questão do repouso
fervilhante (diferente da idéia de repouso como descanso das preocupações
cotidianas), propiciador de um juízo de
descoberta, ondulatório, o qual leva à realização de uma possibilidade; no
caso específico, à realização da possibilidade de existência literária de um
sertão insólito, oriundo das recordações do passado (recordação: matéria lírica
invadindo o espaço ficcional). Esta intermediação mostrará a temática dos
cogitos, propiciando o direcionamento de minhas idéias transmutativas, para a
elaboração e fechamento de meu objetivo preferencial.
A conceituação do tempo, ou da duração,
pela ótica de Bachelard, é uma conceituação ainda inovadora no âmbito
filosófico, porque não se tem notícia de novidades
filosóficas que rejeitem ou ultrapassem as idéias do filósofo francês. Essas
idéias diferenciadas tiveram, como ponto de apoio, as teses de Einstein e
Gaston Roupnel, além de uma reavaliação dos pensamentos de Henri Bergson sobre
o tempo.
Reavaliando os pensamentos de Henri Bergson, preocupados apenas com o
aspecto linear e pleno do tempo vital, Bachelard procura provar que, acima
desse tempo vital (contínuo), há o tempo do pensamento (descontínuo) e o tempo
espiritual (totalmente lacunar). O tempo vital (cogito(1)) e o tempo
do pensamento (cogito(2) e cogito(3)) estariam situados
exclusivamente no plano vital, e o tempo espiritual (cogito(4)),
restrito ao plano espiritual de difícil
ascensão.
Bachelard postou-se contrário à tese da continuidade temporal bergsoniana, passando a postular criticamente
a existência de lacunas na duração, argumentando que, se há em Bergson uma
filosofia do tempo pleno, positivo, teria de existir, em contrapartida, uma
filosofia da negatividade. Postulando a idéia de um tempo negativo, o filósofo
descobriu a possibilidade de se realizar uma incursão-excursão no espaço
intermediário entre as duas realidades temporais. Esta negatividade, baseada na
ritmanálise, levaria os esforços de
dissociação até ao tecido temporal, ativando o ritmo da criação e da
destruição, da obra e do repouso, retendo o tempo reconquistado, conhecendo o
tempo, aceitando e compactuando com a idéia do princípio da negação.
A respeito de uma conceituação do pensamento, este não é privilégio apenas
do tempo vivido (tempo linear), faz parte na verdade do tempo pensado
(superior), em estado nascente, e se caracteriza por uma tentativa de vida
nova, um desejo de viver de outro modo, de superar os obstáculos do cotidiano.
Pensar sobretudo o tempo, pelo ponto de vista de Gaston Bachelard, é
enquadrá-lo, localizá-lo no interior da própria vida; é propôr-se, também, a
uma vida diferente e rica.
O conhecimento estaria, por este aspecto, em relação direta com o
pensamento. A sua grandeza seria determinada no enriquecimento interior do ser
que pensa. O desenrolar desse conhecimento seria simplesmente uma conseqüência
da vontade do pensador, a elevação de uma aprendizagem constante, feita de
preenchimento de mensagens provenientes do exterior, sustentada por forças
exteriores, mas reconstruída, ordenada e novamente sustentada pelo desejo de
saber.
A vontade do pensador se origina do repouso fervilhante.
Há uma grande diferença entre o repouso, ato de descansar a mente das paixões
cotidianas, e o repouso fervilhante do pensamento (repouso ativado), algo ainda meio vazio, em suspenso, oscilando entre o
antes e depois do tempo do pensamento.
O indivíduo, consciente de seus pensamentos, adquire o direito de colocar sua
inteligência a serviço de fervilhantes questionamentos ou
reflexões, os quais poderão ou não renovar as formas ideológicas já instituídas
socialmente.
Ao momento que sucede o repouso ativado, início de novas e originais
formas de pensamento, Bachelard denomina de juízo de descoberta.
O repouso fervilhante do pensamento (ou repouso ativado) traduz-se, em
princípio, por um esvaziamento da mente em relação aos conceitos usuais, uma
reflexão que induz a uma breve imobilidade mental, na qual se acrisolam
pensamentos díspares, os quais serão reordenados inversamente em seguida e
direcionados para novas e surpreendentes descobertas mentais.
O juízo de descoberta, originário desse repouso ativado, é
diferente também do juízo afirmativo,
juízo este postulado por Henri Bergson e reavaliado por Gaston Bachelard. O juízo afirmativo, juízo das formas já
institucionalizadas, apenas acentua o caráter de uma afirmação. Por exemplo,
dois juízos em que o primeiro afirma que uma
mesa é branca, apenas deixa transparecer o caráter determinado e direto do
juízo exposto; quando se afirma o contrário, ou seja, que a mesa não é branca, observa-se simplesmente o caráter
indeterminado e indireto do segundo juízo. O juízo de descoberta
modifica os valores da verificação sobre a mesa branca. Ao invés de repetir a
cor ou não da mesa, propicia a descoberta
de uma singular mesa branca, especialíssima;
suscita um debate positivo sobre uma diferente e polêmica mesa branca, gerando
espanto, exclamações, discussões, fundados em dúvidas preliminares. Descobre-se
enfim a existência de uma especialíssima mesa branca, em meio a tantas e tantas
mesas brancas ou não. Galileu, por exemplo, descobriu o movimento da Terra e
foi castigado por seu atrevimento.
Ainda acompanhando o raciocínio de Bachelard, as afirmações do juízo afirmativo nem sempre demonstram
conhecimento positivo. Tal conhecimento deverá ser observado nas ondulações das argumentações geradas
pela dúvida preliminar (polemizada), tal conhecimento poderá ser constantemente
destruído e reconstruído, às vezes nunca terminando a construção, mas,
sobretudo, deverá aspirar ao impulso renovador do pensamento transmutativo.
Sobre a filosofia de Henri Bergson, quero esclarecer que Bachelard não
a rejeita, em absoluto; apenas utiliza-se dela para desenvolver suas
reformulações sobre a questão da duração, reformulações que têm também uma
ligação reflexiva com Albert Einstein e Gaston Roupnel, como já foi dito antes.
De minha parte, o que apreendi da filosofia de Henri Bergson, sobre a duração,
evolou-se de uma reflexão rápida do quarto capítulo de seu livro L'Évolution Creatrice,
“Le
Devenir Réel et le faux Évolutionisme”; a contra-argumentação é genuinamente de
Gaston Bachelard, realçada em suas adesões e críticas ao pensamento do filósofo
da metafísica do pleno. Não darei profundidade aos estudos de Bergson por
razões estratégicas. Com isto, evitarei uma provável introdução de um elemento
novo em minhas teorizações, o que dificultaria o objetivo de meus juízos
diferenciados sobre uma entre inúmeras formas de o estudioso da literatura se
envolver com o texto literário. Entretanto, as atuais exigências acadêmicas,
relativas à interdisciplinaridade,
estarão aqui realçadas. Esta inovadora orientação crítico-pedagógica traduz-se
como um alerta em face deste recente momento de transição histórico-social-literário
para o terceiro milênio.
Depois da intermediação, refletirei sobre a temática dos cogitos
propriamente dita, ligando-a, num processo interativo, ao universo literário de
Guimarães Rosa, ressaltando os quatro elementos que sustentam a vida (terra,
água, fogo e ar), os quais estão presentes na obra roseana sob o predomínio da
imaginação criadora ativada, alicerçando-a e propiciando, seletivamente, a
ascensão do escritor aos cogitos superiores.
Os quatro elementos agirão como degraus
e serão eles os responsáveis pela mudança de pensamento do ficcionista de
ascendência sertaneja, desde Sagarana (pequenas
narrativas experientes, ligadas aos aspectos exteriores do sertão) até a fase
final, na qual se detectam a sua ascensão ao plano intermediário (entre o
cogito(3) e o cogito(4)) e a posterior concretização de
seus pensamentos criativos singulares, originários desse plano incomum. A esta
parte intermediária, ligada à temática dos cogitos e aos elementos vitais,
chamarei Psicanálise da Criação.
Sobre este título, Psicanálise da
Criação, quero esclarecer que o termo surgiu em minhas incursões teóricas
ao universo filosófico-psicológico de Bachelard, já que ele se auto-define como
psicólogo de livros. Adotei esta
terminologia para explicar o terceiro momento da atividade criativa de
Guimarães Rosa. Psicanálise da Criação
passará a ser, aqui, exclusivamente, o título de um capítulo de minhas
explanações teóricas, sem um compromisso interdisciplinar com a Psicanálise do
Texto Literário propriamente dita, representando apenas o meu particular método
de abordagem, unindo a Ciência da Literatura à filosofia bachelardiana. Este título se fez necessário, porque, procurando
desvendar as desordens mentais do
moderno (ou pós-moderno?) narrador roseano das últimas fases (Primeiras estórias, Tutaméia e Estas estórias), atingi teoricamente a vida psíquica consciente e inconsciente do
Artista ficcional brasileiro do século XX, independente de ser ele Guimarães
Rosa ou não, preso ao seu próprio tempo histórico desordenado. (Observação: É
importante afirmar e reafirmar sempre que a palavra desordem, realçada aqui e em algumas páginas dos capítulos
seguintes, não possui caráter depreciativo. A palavra em questão deverá ser
compreendida pelo seu significado etimológico).
Recapitulando a temática dos cogitos, no cogito(1) (cogito
primário) percebe-se que todo pensamento gera uma representação no mundo
físico, uma causalidade eficiente.
Quando o pensamento não é concretizado imediatamente, gera um impasse (uma
argumentação), e esse impasse obriga a uma busca de novas formas de
concretização do pensamento inicial. Este momento de impasse (reflexões,
questionamentos) localiza-se no cogito(2).
No cogito(2), o pensamento ativado, nascido de um primeiro
pensamento, gera uma reflexão (ou uma interrogação, quando não há a
possibilidade de concretizar o pensamento), que poderá ou não levar a uma
causalidade final (cogito(2)) ou a várias causalidades díspares
(cogito(3)). Este impasse é uma interrupção, um desvio, na cadeia
causal. Entre causa e efeito há intervenções que modificam o fim esperado,
intervenções essas que preparam a renovação do probabilismo de acontecimentos,
os quais não estão em absoluto ligados à determinação causal. Se a causalidade
final (cogito(2)) não for alcançada, propiciará uma nova lacuna,
possibilitando uma nova busca, que poderá ou não atingir ao plano do cogito(3)
da consciência pura.
Sobre o cogito(3): Quando se chega a este estágio de repouso ativado (ou repouso
fervilhante), o ser, aquele já desenvolveu tais capacidades de pensamento,
poderá conseguir quase tudo o que necessita no plano da vida consciente. Por
isto, Bachelard (A DIALÉTICA DA
DURAÇÃO) afirma que o indivíduo que alcança esse nível
de conhecimento de sua atividade psíquica passa a ter uma particular
felicidade. No cogito(3), plano lacunar, quase espiritual
(abeirando-se do espiritual), o que o indivíduo imaginar, em termos de idéia,
já toma uma forma definida, que poderá adquirir vida no mundo dos fenômenos, se
ele assim o desejar. O que este indivíduo imaginar, no plano do pensamento
puro, ao nível do cogito(3), tem tanta força, aparece tão bem
definido, que ele saberá como dar forma a essa imaginação no mundo real. O ser
especial, singular, o que consegue alcançar o cogito(3), não tem
necessidade da representação (primária) da realidade vital — ordinária, linear
—, pois a representação desse cogito se basta da forma que foi alcançada no
tempo do pensamento, que é tão definida quanto seria se ela fosse representada
no plano do tempo vital. É nesse espaço do pensamento (ainda nos limites da
realidade vital, mas acima do tempo vital) que a vida espiritual (cogito(4))
torna-se estética pura, vida esta que só se tornará possível dentro do tempo
descontínuo. Penso, revigorada por tais idéias, na literatura do século XX e
início do século XXI, especificamente, como oriunda do cogito(4),
plano da espiritualidade, descontínuo, mas formalizada esteticamente no cogito(3),
plano do pensamento puro e inovador.
A instantaneidade das formalizações bem ordenadas do tempo do
pensamento não admite sucessão de níveis; os níveis ficam juntos numa ordem
própria, tendendo para fora do eixo horizontal. É por causa dessa tendência
para fora que existe a percepção intuitiva de uma sucessão de níveis. Em cada
nível, existe uma qualidade psicológica que, em nível um, por exemplo, por
estar preso à realidade, preenche as lacunas, para manter a idéia linear de
continuidade. Para quem está no cogito(1), ou mesmo no cogito(2)
(cogito este já propenso ao pensamento lacunar), a vida temporal de quem se
encontra no cogito(3) denota a presença de espaços mentais vazios.
Nesse estágio, o pensamento transmutativo (privilégio do cogito(2),
mas poucas vezes reativado) se evidencia com maior riqueza. Toda a vida do
pensador (pensador singular, original) será fundamentada na força das formas
(pensamentos) ainda não conceituadas, as quais darão coerência a sua vida
mental, dissociada das razões corriqueiras.
Por estas razões, invadi esta dimensão particular do ficcionista
Guimarães Rosa, impulsionada pelos estudos de Bachelard sobre a duração,
desenvolvendo o que chamarei aqui de Psicanálise
da Criação. Da filosofia bachelardiana retirei a minha idéia de uma
consciente ascensão do escritor aos últimos estágios do pensamento, próximos ao
cogito(4) da espiritualidade, plano totalmente lacunar, consentindo
assim, a si mesmo, uma continuidade psíquica de suas origens, no âmbito da Arte.
A força das formas desconhecidas (não conceituadas, intuídas), força
que oferece coerência à vida lacunar, dissociada das razões corriqueiras, é o
que Bachelard chama de estética pura, usando outras
palavras, a transcendência
formal/material, a ultrapassagem do tempo (sucessivo) das formas reais. O
que se intui no cogito(3), para ter coerência, para ter duração e
representação no mundo vital, terá de ser justificado por razões (juízos,
conceitos), as quais passaram antes por atitudes psicológicas formalizadas e
diversificadas. A razão, proveniente da definição psicológica, dará apoio
(consistência) às intuições vislumbradas pelo pensador.
Fundamentando-me na idéia da transcendência dos pensamentos formal e
material (o além do cogito(3)), desenvolvi a tese da sobrecarregação
dinâmica dos significados, ou seja, quando se sobrecarrega a dinâmica dos
significados, a linguagem transcende o discurso numa dimensão novamente inicial
(do Desconhecido, do Abismo, do Silêncio, do Não-dito, do Amorfo), e esta
transcendência, ao contrário de esconder o seu significado, como enigma, dá às
claras o seu sentido como Arte, realizando uma transformação que impulsiona o
Leitor ao exacerbamento da realidade, ultrapassando a Loucura e efetivando
depois uma ascensão ao concreto da forma literária, isto é, na recriação
literária dos três cogitos socialmente aceitos.
Quero realçar, aqui, a minha própria leitura sobre esta ascensão ao
concreto da forma literária, realizada primeiramente pelo Artista literário, ao
formalizar seus pensamentos criativos, e em seguida pelo Leitor, ao compactuar
e colaborar com o texto lido. Depois de ter conhecido a escalada dimensional do
escritor Guimarães Rosa, brasileiro, nascido em um pequeno burgo incrustado no
Sertão das Gerais, até o último estágio do pensamento permitido pela razão, o
Leitor conseguirá também alcançar o mundo do imaginário-em-aberto,
aproximando-se, por intermédio da leitura, do plano descontínuo da
espiritualidade.
O ficcionista moderno, preso a seu momento estético, alcança a região
limítrofe que separa o plano vital do plano da espiritualidade, mas não se
afasta do cogito(3), cogito vital, ao contrário, reafirmo,
equilibra-se entre os dois cogitos (cogito(3) e cogito(4)),
concretizando o que vislumbrou no mundo amorfo e descontínuo, sob a forma
ficcional.
Quero afirmar que não é o texto (literatura-arte), mas é o Artista
ficional brasileiro Guimarães Rosa, inserido em uma realidade insólita,
lacunar, de país terceiromundista (décadas de 50 e 60), que ultrapassa o
terceiro cogito, aproximando-se do tempo espiritual (cogito(4)). Por
sua ligação vital com a História do século XX, ele adquiriu o privilégio de
intuir e recriar, literariamente, os descontínuos de sua própria vivência de
brasileiro, desde a infância no sertão até aos mais elevados cargos sociais. Na
verdade (não seria incorreto afirmar), quem ultrapassa o terceiro cogito é a
realidade brasileira, além do narrador e de suas narrativas. A nossa lógica não
se identifica completamente com o racionalismo europeu. No Brasil, mesmo nas
cidades, nas camadas primárias, é a lógica do Sertão (Mitos, Ambigüidades,
Imagens, Símbolos) que completa o imaginário da população e o seu mundo
referencial.
No que se refere a minha distinção entre sujeito e indivíduo,
penso que alguns esclarecimentos serão necessários. Os termos sujeito e indivíduo farão parte do desenvolvimento de minhas reflexões,
significando cada um os cogitos que compõem a vida emocional-racional do ser. O
sujeito, simbolizando o ser adstrito às leis e normas (conformado e limitado ao
cogito(1)), e indivíduo, simbolizando o ser possuidor de idéias
próprias, particulares, componente de um pequeno grupo que busca a evolução do
pensamento, cada um a seu modo, possuidor, enfim, de uma consciência singular.
O conceito de imaginação,
recuperado nestas páginas para uma compreensão teórico-filosófica da obra de
Guimarães Rosa, prende-se à orientação bachelardiana, que a vê como faculdade de deformar imagens, ao invés
de formar imagens. (A faculdade de deformar
imagens não poderá ser avaliada ou interpretada, aqui, depreciativamente.
Bachelard não desenvolveu suas idéias filosóficas submetido a juízos
preestabelecidos). A formação de imagens liga-se mais à percepção do sujeito
integrado ao Mundo (seja ele representante de qualquer segmento da Arte), e sua
imaginação seria simplesmente evasiva, aberta, submetida às substâncias sociais.
A imaginação dinâmica do Artista literário brasileiro do século XX
(literatura-arte), poderosamente
deformadora, ao contrário, é um convite a uma incursão-excursão
(evidentemente, submetida ao racionalismo da consciência singular)
rumo ao Desconhecido (imaginário-em-aberto, mundo do silêncio, mundo do Vazio
Criador, ou qualquer denominação oriunda das inúmeras nomenclaturas
teórico-críticas já existentes).
Ainda dialogando com Bachelard, reflito nas duas linhas distintas de
imaginação destacadas em seus estudos filosóficos: a imaginação que dá vida à causa formal e a imaginação que dá vida à causa material. Essas duas imaginações
classificam, separadamente, as forças imaginantes da mente. A imaginação que dá vida à causa formal se
submete ao impulso do pensamento que tem desejo de novidade, buscando nas
formas exteriores da realidade apenas os aspectos pitorescos e primaveris. A imaginação que dá vida à causa material,
ao contrário, escava o fundo do ser, procurando encontrar o primitivo e o
eterno. É portanto a imaginação que busca o aprofundamento na substância.
A imaginação que dá vida à causa
material (imaginação material) é
própria da matéria terrestre. Repleta de imagens estáveis e tranqüilas, poderá
ser modelada, uma vez que se atém aos aspectos perceptíveis/palpáveis da
realidade.
Essas duas linhas da imaginação estão presas à realidade concreta. A
imaginação formal se prende à forma exterior da matéria. A diferença é que,
enquanto uma (a imaginação formal) se diverte com o inesperado, a outra (a imaginação
que dá vida à causa material) quer aprofundar-se na história e buscar na
natureza o princípio de tudo, o princípio da própria matéria.
Paralelamente a essas duas imaginações da matéria terrestre, há também
as imaginações falada e criadora:
A imaginação falada é a
imaginação que reproduz a realidade,
submetida à percepção e à memória e não pode ser modelada pelas mãos. Ela é
modelada pela fala e pela percepção do impalpável. Esse tipo de imaginação não
se aplica à matéria terra: é a imaginação das matérias inconsistentes e móveis
(a água, o fogo, o ar), composta por imagens instáveis.
A imaginação criadora, ao
invés de simplesmente reproduzir, duplica
— ou recria — a realidade, produzindo uma nova realidade. Ela não é
apenas formada, materializada, falada; ela ultrapassa a realidade, já que,
poderosamente criadora, vigora em função do irreal, reconhecendo os valores da
solidão. Na imaginação criadora, as
imagens são imaginadas, fazem parte do imaginário-em-aberto do indivíduo, pois
que se originam do fundo do ser que imagina. O ser, possuidor da imaginação criadora, produz em seu íntimo as imagens que
formarão posteriormente uma realidade (literária) diferente da realidade
substancial. Assim, a imaginação criadora
está indissoluvelmente ligada à imaginação
literária (falada/escrita). Há a separação, porque nem sempre os
possuidores da imaginação criadora
desenvolvem seus talentos literários.
Por último, um esclarecimento sobre as quatro perspectivas do
pensamento, assinaladas por Bachelard e recuperadas transmutativamente nestas
argumentações, para o embasamento de meu particular reconhecimento da obra
roseana. São elas as perspectivas anulada,
dialetizada, maravilhada e de intensidade
material infinita, as três últimas ligadas aos aspectos materiais do
pensamento, valendo-se, cada uma, numa ordem hierárquica, dos pensamentos
formal, material, falado e criador.
A perspectiva anulada estaria
simplesmente ligada ao pensamento formal: linear, sintagmático, descritivo. A
adjetivação anulada não significa
depreciação, significa apenas a forma correta que o filósofo encontrou para
nomear a perspectiva do sujeito que olha sempre horizontalmente, sem
questionamentos existenciais. A perspectiva
anulada reproduz os reflexos exteriores da realidade (as cores e as formas
de uma natureza encantadora e sem máculas).
A perspectiva dialetizada,
apesar de ainda estar presa ao plano sintagmático, já direciona o olhar
questionador, oscilante, para a descoberta do que se oculta na natureza, em
outras palavras, é uma perspectiva ligada aos aspectos materiais da realidade
(presa oscilatoriamente à imaginação
material), caracterizada apenas pelo elemento terra. A visão dialetizada
torna-se aguçada, penetrante, propensa a movimentos pendulares, transformando o
que se deseja ver em objeto, ou mesmo se colocando no interior desse objeto,
para ver com maior nitidez.
A perspectiva maravilhada
está intimamente unida à perspectiva
dialetizada. Depois do olhar inquisidor e oscilante, ainda linear
(perspectiva dialetizada), surge um novo olhar maravilhado, propenso à
verticalização do pensamento criador. O sujeito se extasia diante da grandeza
que descobre. As minúcias da realidade se dilatam indefinidamente, porque a
visão do sujeito começa o seu processo de elevação em direção a um olhar
paradigmático, próximo ao individualismo. A perspectiva
maravilhada propõe-se então a descrever o interior da matéria observada.
Nesse estágio, o observador/sonhador não pára mais de observar/sonhar. Ao
alcançar esse estágio, Rosa premiou-nos com a sua grande obra GRANDE SERTÃO: VEREDAS.
Posteriormente, submetido à perspectiva
substancial infinita, o olhar do sonhador/ intérprete se desprende
totalmente do plano horizontal, porque o sujeito já se transformou em indivíduo
e já alcançou o estágio da pura intuição. O olhar agora não se prende apenas à
descrição das formas da matéria (exteriores e interiores), prende-se à
descrição dos movimentos da matéria, detectando imagens novas, criando imagens
dinâmicas a partir das imagens estáveis. O olhar móvel e paradigmático
propiciará então uma descrição minuciosa das qualidades voláteis da matéria, ou
melhor, das matérias que compõem a realidade vital, já que observará, por
vários ângulos interativos, as formas antes indefinidas: o fogo, a água e o ar.
As obras finais de Guimarães Rosa, a começar de PRIMEIRAS ESTÓRIAS, adquiriram forma ficcional através dessa perspectiva.
Fechando minhas considerações sobre as perspectivas, já poderei
afirmar, conscientemente, que as perspectivas dialetizada, maravilhada
e a substancial infinita necessitam,
no plano narrativo, da contribuição do pensamento
formal. No âmbito da ficção, este plano formal do pensamento exigirá do
estudioso muita atenção, uma vez que o cogito(1) (pensamento formal,
linear), será sempre a base que sustentará os outros patamares dos cogitos
verticais. Um texto ficcional vertical, por mais elevado ou profundo que seja,
necessitará sempre da sedução das formas,
do encanto que emana do pitoresco,
para que possa realizar seu objetivo final: receber a atenção do Leitor.
Realçando mais uma vez minhas premissas, limitarei a minha proposta
para um novo posicionamento crítico, brasileiro, a quatro módulos, para o
desenvolvimento e fecho de meu objetivo: (a)
falar do Artista ficcional Guimarães
Rosa e suas faces sociais, de sua
obra e matéria eleita; (b) de seu momento de repouso ativado (estado reflexivo situado num tempo suspenso entre
o antes e o depois), momento de
intermediação que projeta ou não o pensador para uma ascensão aos cogitos superiores; (c) abordar a problemática da
psicanálise da criação (os cogitos e os elementos que marcaram a produção literária de Guimarães Rosa, além de
sua própria introjeção no seu universo ficcional), problemática esta
dialetizada ad infinitum pelo
ficcionista, o qual não se desprende em absoluto dos cogitos dois e três, (d)
mesmo constatando-se a sua familiaridade com o cogito(4) (a
facilidade em transformar o ilógico em lógico, no universo da Ficção-Arte).
O além do cogito(3) fechará minhas elucubrações teóricas
sobre o escritor e sua Obra, momento em que procurarei provar que o cogito(4),
mesmo sendo um plano de difícil acesso (fora dos limites vitais, no qual
poderiam ser incluídos os Loucos e os Visionários), é uma dimensão que foi
alcançada, criativamente, pelos escritores brasileiros do século XX. Na
impossibilidade de desenvolver um reconhecimento crítico globalizante sobre
esses escritores, destacarei um singular
intérprete ficcional da realidade interiorana de Minas Gerais, Guimarães Rosa,
independente das teorias que o avaliam como narrador de estórias sertanejas.
Para reforçar minhas convicções teóricas, as quais levaram-me a pensar
e repensar a forma correta de como sustentar a defesa de meu objetivo central,
contei, evidentemente, com a contribuição filosófica de Gaston Bachelard, sobre
a duração e sua positividade/negatividade e vice-versa e suas providenciais
argumentações sobre as matérias que compõem a vida. Além de Bachelard,
assinalarei, também, as contribuições sociológicas de Max Weber e Walter Benjamim,
e de outros pensadores e teóricos que preencheram, ao longo de minha vivência
acadêmica, as lacunas de meu Conhecimento. Deste modo, pelo ponto de vista da
interdisciplinaridade, será possível detectar tais contribuições sociológicas
e, diluídas ao longo destas páginas, as contribuições de vários estudiosos da
hermenêutica do texto literário, além de se apreender com clareza minha
formação de base semiológica, alicerce analítico para os demais paradigmas
críticos da atualidade. Todos os pensadores e teóricos que auxiliaram-me,
direta e indiretamente, por intermédio de seus escritos, serão discriminados na
Bibliografia.
Finalizando, o que se busca nesta PROPOSIÇÃO é reconhecer a
escalada sócio/mental do Artista brasileiro Guimarães Rosa, nato do sertão e cidadão
do mundo, aos cogitos superiores da mente. Depois do reconhecimento, passarei a
evidenciar a sua incursão/excursão ao plano intermediário entre o mundo vital e
o mundo espiritual e o seu retorno ao plano do cogito(3) do
pensamento puro, representado, nas suas últimas fases criativas, por um
discurso insolitíssimo (vazio criador),
beirando os limites frágeis da sanidade.