Neste capítulo, passo a verificar a relação do ficcionista da realidade
sertaneja com a sua obra, considerando aqui que a obra abrange, em sua
totalidade, mais especificamente, o sertão da infância, das recordações da
infância. A obra literária de Guimarães Rosa tem com o sertão da infância, das
recordações, uma relação interna indissolúvel, já que foi dito que o sertão é
invenção da obra roseana, e o contrário também vale: o sertão roseano criou a
obra literária roseana.
Nestas páginas iniciais, desenvolverei um pensamento centralizado na
"ambiência do indivíduo moderno na representação do eu", repensando
as idéias de Erving Goffman40, antropólogo americano, contando também com a fenomenologia de Gaston
Bachelard, em O Direito de Sonhar41, sobre o tema das máscaras, as quais põem em prática a vontade de dissimulação do ser que se mascara, para
alcançar segurança em seu meio social.
Especificamente, neste capítulo, detenho-me no comportamento do
narrador de A hora e
vez de Augusto Matraga, narrativa de transição para o
cogito(2) (cogito transitivo, propenso a dialetizar as idéias vitais
(pré-)estabelecidas), porque, de acordo com o meu particular ponto de vista,
este personagem subsiste como máscara,
a primeira máscara, encobrindo a face ficcional do escritor, cidadão moderno
mas nato do sertão. Devo esclarecer que
os primeiros narradores do corpus de Sagarana representaram o repórter,
dando as notícias do sertão e enfatizando as belezas naturais, exibindo um
mundo comunitário, pitoresco, aos
leitores da cidade.
Não intenciono analisar o comportamento humano por uma perspectiva
sócio-antropológica, mas examinar hipoteticamente as atitudes e reações do
criador literário, em seu meio comunitário, pelo prisma de seu eu ficcional.
Assim, observarei uma das funções de Guimarães que, entre as várias que
exerceu, o fez respeitado em seu núcleo social: sua atuação como escritor
renomado e sua influência, realçando, por meio da literatura, a grandeza do sertão mineiro, espaço
rejeitado pela elite da sociedade.
Este estudo realçará a atuação do narrador de A hora e vez de Augusto Matraga, mas enfatizará
com maior vigor a influência social do Artista como cidadão moderno, possuidor
de atributos que o fazem respeitado, indutor de boas impressões, detentor de
grande prestígio ante o grupo que o circunda, mas que, mesmo alcançando altas
honrarias na escala social, deseja projetar, segundo sua ótica reminiscente, as
qualidades ímpares de seu espaço de origem, sob a proteção do discurso
ficcional. Observarei, assim, o agora indivíduo impondo a sua visão do sertão ao grupo que o cerca, direcionando o olhar (do leitor), encenando um espetáculo em que ato
principal é demonstrar o valor de uma região não valorizada socialmente. O
escritor, ante um núcleo social exigente (etnocêntrico), já alcançou
credibilidade e pode conscientemente desempenhar seus diversos papéis, ou
dissimular-se debaixo de suas diversas máscaras, mas pode também transmitir uma
parte da autenticidade de seu próprio eu (sob a proteção da ficção), como homem
originário de um espaço rude, mas verdadeiro, se comparado com a degradação da
moderna sociedade dominante.
Entrincheirado atrás da máscara, o ser mascarado está
ao abrigo da indiscrição do psicólogo. Rapidamente encontrou a segurança de um
semblante que se fecha.42
O sujeito do sertão mineiro (aquele que recebeu ao nascer valores
comunitários antigos, mas posteriormente evoluiu-se socialmente) não consegue
adaptar-se aos conceitos de vida da modernidade. Assimila valores degradados,
dissimula-se, servindo-se de diversas máscaras, ficcionais ou não, mas
permanece consciente de suas origens. Entrincheira-se atrás de um ou vários
disfarces cotidianos, os quais o farão aceito pelo grupo citadino que o admitiu
em seu meio. Socialmente, há a vontade de ser outro, de desvincular-se dos
valores do berço, de ascender-se infinitamente na escala social e cultural da
vida moderna, mas, por baixo da máscara, permanece o rosto primitivo,
consciente de suas origens e das tradições que o marcaram.
O anteriormente sujeito,
submetido às determinações do mundo, em um momento de sua trajetória de vida,
deixou seu rosto sertanejo para trás e adquiriu diversas faces que o
introduziram na vida moderna. Essas faces compuseram os diversos talentos
adquiridos com os estudos. Esse sujeito
do sertão, ou se quiserem, nato de um pequeno burgo incrustado no sertão, transformou-se
em médico, soldado, diplomata, poliglota, escritor, graças a sua incomum
capacidade de recriação ficcional. Mas houve um momento, nesse trajeto do tempo
vital (momento ativado pelo repouso
fervilhante, o qual antecede o cogito(3) da individualidade
consciente), que sentiu o desejo de retomar o antigo rosto (primitivo), e isto
já não seria possível dentro de sua diacronia de vida, mas viável mediante as
forças criadoras da imaginação.
Valendo-se da ficção, demonstrou sua face verdadeira, seu rosto de homem sertanejo, procurando convencer os detentores do poder
intelectual de seus verdadeiros atributos, enfim, despojou-se, demonstrando seu verdadeiro eu, oculto por toneladas
de exigências modernas, e dando-se a conhecer intimamente. Com esta atitude, representou um papel que poderia
desacreditá-lo, mas, graças a sua influência e a sua criatividade, venceu a
probabilidade de ruptura com o meio social.
O Artista do sertão brasileiro realizou a dissimulação por intermédio
de seus narradores e personagens da primeira fase criativa, ostentando o sertão da infância (muito
bem realçado entre o oculto e o visível), ao mesmo tempo em que se resguardou
de uma provável crítica ferina, se não tivesse realizado o encobrimento de suas
próprias intenções com eficiência.
Esse disfarce, realizado sob o patrocínio da magia da máscara, ou seja,
realizado com o apoio da criação literária, projetou verdades profundas que
jamais seriam captadas em textos simplesmente formais. Observa-se, ao longo da
obra roseana, a partir de A hora e vez de Augusto Matraga, uma dissimulação invertida (só
concebível no espaço das mágicas probabilidades ficcionais), em que o Artista, mascarado, sob a roupagem de seus
personagens da primeira fase
autenticamente criativa, ou segunda fase no cômputo geral de sua obra,
readquiriu sua face de origem (seu rosto primitivo) e dissimulou-se ante o grupo social que o abrigou e o enalteceu. A
vontade de dissimulação, orientada pela intuição
ficcional, ao invés de direcioná-lo no sentido de desejar ser outra pessoa,
como aconteceu antes no plano social, inspira-o a um retorno, inspira-o a ser o
seu eu verdadeiro, somando-se a esse eu
de origem todos os outros eus
adquiridos na sociedade moderna. "Uma fenomenologia da dissimulação",
segundo Bachelard, "deve estudar a magia
da máscara, ao invés de estudar a dissimulação pura e simplesmente; deve
remontar à raiz da vontade de ser outro que se é"43; mas o Artista (aquele produtor
de verdadeira Arte Literária), distanciado da psicologia da dissimulação usual,
já superou e ultrapassou esta vontade de ser outro e agora, novamente, deseja
ser ele mesmo.
A vontade de ser outro ficou no passado, situada nos primeiros anos
vividos em uma outra cultura, totalmente diferente da recebida ao nascer. A
vontade de ser outro ficou no passado, quando ele se propôs a alcançar o cogito(2)
de sua escalada ao Conhecimento. Agora, instalado comodamente no cogito(3),
plano do ser-em-si ou do indivíduo
consciente, a dissimulação se inverte pelo poder da magia dos pensamentos
singulares, e o agora indivíduo
deseja ser ele mesmo, ou melhor, não há motivos que o impeçam a retomar
ficcionalmente seu rosto primitivo. Conseqüentemente, o Artista pode
representar diversos papéis na sociedade elitista e, mesmo integrado ao grupo
citadino, posteriormente, pode também recuperar sua face autêntica, verdadeira,
sob o aval (a proteção) da criação literária. E isto só se tornou possível,
porque o indivíduo Guimarães Rosa conseguiu ser convincente nessas
representações e assim ser aceito pelo grupo do mundo da modernidade.
A partir do momento em que queremos distinguir o que
se dissimula sob um rosto, a partir do momento em que queremos ler em seu
rosto, tomamos tacitamente esse rosto por máscara.44
No mundo da modernidade, o homem (submetido à perda da identidade
heróica) se dissimula em diversas máscaras. Mesmo sendo algo artificial, a
máscara é uma espécie de abrigo. Por esta ótica, cada personagem roseano da
primeira fase criativa (a partir de A
HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA), sob a proteção da
realidade ficcional, é uma máscara de seu criador, escritor do século XX, o
qual, ao invés de velar, desvela seu próprio íntimo. Posso asseverar, com a
contribuição da fenomenologia Bachelardiana, que o singular escritor, durante
sua trajetória de vida, despojou-se de seu rosto sertanejo ao aceitar as
máscaras da modernidade; mas, ficcionalmente, num momento qualquer, momento de repouso ativado, resolveu retornar ou
retomar o rosto de origem. Os personagens da primeira fase criativa (a partir
de A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA) são na verdade máscaras virtuais, desvelando o próprio devir da
dissimulação; essas máscaras virtuais, no âmbito da literatura, transformam-se
em rostos ficcionais de uma realidade
autêntica, porque são criação de um indivíduo
que já iniciou sua escalada na direção da consciência
pura, ancorada no último patamar do
tempo do pensamento, ainda ligado à realidade vital. Essa consciência já não
necessita de máscaras que a escondam, que a abriguem das indiscrições alheias.
Assim, os personagens iniciais da primeira fase autenticamente criativa de
Guimarães Rosa são máscaras susceptíveis de se realizarem como rostos, já predeterminadas como
autênticas, fundamentadas em condições de se realizarem.
Esses rostos ficcionais ou máscaras virtuais mostram o desejo da
contradissimulação, ou seja, a "sinceridade da dissimulação, o natural do
artificial"45, como o quer Bachelard. As imagens retratadas refletem a consciência singular do Artista moderno, direi melhor, o Artista da estética
pós-modernista (se penso no século XX como um século de transição de Eras),
originário de um mundo comunitário, primitivo, mas que alcançou diferentes e
diversas experiências de vida em um mundo em que a comum-unidade já não existe, onde o ser se encaminha cada vez mais
em direção à inevitável dissolvência dos valores verdadeiros. Esse indivíduo,
enquanto Artista, ousou rejeitar as próprias dissimulações cotidianas, para
readquirir uma espécie de máscara
primordial, sob a aparência de seus personagens. Nesse caso específico,
prefiro usar a terminologia máscara
primordial, porque agora, substancialmente, não há como recuperar o
primitivo rosto sertanejo.
O ser, agora indivíduo, novamente se dissimula na sua
contradissimulação, porque, mesmo sendo senhor absoluto de um plano da
consciência, ligado ao tempo do pensamento a que Bachelard denomina como cogito(3),
ele não pode negar o já adquirido socialmente e culturalmente. Isto seria negar
seu desempenho na sociedade, seria negar a sua própria influência sobre o grupo
citadino, ou mesmo, seria negar sua consciência tridimensional, sustentada
pelos três cogitos que compõem a existência racional. Negar a sua condição
atual na sociedade, seria o mesmo que negar a sua vontade de novamente ser
sertanejo.
As máscaras primordiais e ficcionais do universo da primeira fase
criativa são a garantia de segurança emocional do Artista sertanejo que convive
com os valores da modernidade. Disfarçado de narrador do sertão, ou mesmo
diluído em seus personagens, ele retoma seu mundo de origem e se protege das
prováveis críticas depreciadoras. Essas máscaras, que garantem sua segurança
emocional no mundo moderno, têm a vantagem de se situar num plano diferente do
plano da história contínua. A máscara virtual, diferente da máscara real, que "não
se engaja verdadeiramente num processo de dissimulação"46, que é a pura
negatividade do ser, que permite o mascarar-se ou ser desmascarado, na
fenomenologia do ser que se dissimula, representa o desejo de alcançar a
segurança total da máscara. Enquanto diversas máscaras habituais, são "incessantemente tomadas e retomadas,
sempre incoativas"47, sempre prontas a um novo começo de proteção. O ficcionista,
indiscutivelmente criativo, se protege das situações insólitas do cotidiano
moderno, recriando o sertão da infância e todos os seus habitantes. Esses
habitantes do sertão, recriados, são partículas íntimas de seu interior
sertanejo. A dissimulação do Artista Literário, sertanejo e pós-moderno, é uma
conduta intermediária, oscilando entre o oculto e o visível. O Artista se
oculta nos meandros de sua infindável narrativa, ou seja, em todas as suas
narrativas da fase criativa, ao mesmo tempo em que revela sua face verdadeira.
Posteriormente, mostrando o sertão da infância, já transmutado pela
matéria poética das recordações, ele se sente intimamente protegido e
reconfortado. Ele agora está confortavelmente instalado no cogito(3)
da individualidade consciente e não pretende ultrapassar esse limite, que ainda
possibilita uma saudável convivência com o grupo da alta intelectualidade.
Subir mais um degrau seria ultrapassar os limites vitais e se projetar no vazio
da pura espiritualidade, seria propiciar uma cisão irreversível com o mundo dos
valores aceitáveis, o mundo dito normal. Logo, é um indivíduo ainda aceito pelo
grupo, ainda não marginalizado, que se vislumbra na última fase, mesmo
apreendendo-se, nesta última fase, narrativas de alto teor de insolidez, tais
como "Meu tio, o Iawaretê", "Reboldra", "Mais meu
Sirimim" e outras que compõem o corpus
de Essas
histórias, Tutaméia e Ave, palavra.
Os personagens da primeira fase criativa (não estou a referir-me à
primeira fase ligada à imaginação formal, imaginação linear, registrada nas
narrativas de Sagarana, excetuando-se
naturalmente a última narrativa A hora e vez de Augusto Matraga) fornecem a máscara primordial do ficcionista do sertão. É
sua fisionomia de homem do sertão que se encontra dissimulada ao longo das
narrativas A hora e
vez de Augusto Matraga e Grande
Sertão: Veredas; são suas vivências primeiras que se
destacam e se escondem; são fatos acontecidos e desrealizados pela ação do
tempo, mas poetizados no plano das recordações e dos sonhos bem sonhados. A hora e vez de Augusto Matraga e Grande Sertão: Veredas marcam um momento de mudança narrativa, revelando a relação de
profunda integração do escritor com sua obra e, por acréscimo, com o sertão
material.
As máscaras são sonhos fixados e os sonhos são
máscaras fugazes em movimento, máscaras fluidas que nascem, representam sua
comédia ou seu drama, e morrem.48
Para penetrar-se "na zona onde os acordos são incessantes"49, ou seja, ao centro no
qual se desenvolve a verdadeira dialética da simplificação e da multiplicidade,
segundo Bachelard, é necessário juntar a máscara inerte ao rosto vivo. O rosto
vivo fornece os traços da fisionomia, possibilita a interpretação da máscara
virtual, e o ato de interpretar a máscara virtual obriga o intérprete a
penetrar numa dimensão diferente, na qual a formação da idéia e a sua
representação "permutam infindavelmente suas ações"50.
Na fase seguinte, a partir de Primeiras estórias,
a dialética da verdade e não-verdade se instaura nos escritos de Guimarães
Rosa. Verdade e fantasia se misturam sob os ditames dos sonhos
poéticos-ficcionais. Os personagens (verdades de um sonhador eu sertanejo) são máscaras profundamente sentidas pelo ficcionista
e transmitidas ao leitor, compactuador e colaborador de seu ato de narrar;
assim, são máscaras virtuais ativas, recriadas nos momentos de repouso fervilhante e
concretizadas no instante seguinte da consciência singular, livres das
conceituações do tempo vital. Essas máscaras
ativas, ficcionais, se adaptam ao demiurgo que as criou, pois este, à
semelhança do psiquiatra que "deve viver a máscara do doente, como deve
viver os sonhos do doente"51, deve ele também viver a máscara de seus personagens, como deve viver
também os sonhos dos personagens.
Nessa zona intermediária, o demiurgo detectou sua própria realidade
psíquica de homem que se quer sertanejo. Servindo-se da ficção, reformou e formou
sua própria máscara virtual, ou seja, o rosto, verdadeiro, do sertanejo que poderia ter sido no âmbito das probabilidades de
vida; extraiu do passado, pela imaginação, verdades que estavam escondidas;
pode transformar essas verdades em discurso ficcional, recriando as imagens do
coronel autoritário, dos jagunços animalescos, ou mesmo, do cidadão do sertão, oscilando entre o
primitivo e a pós-modernidade.
Que nos seja permitido assinalar de passagem a
importância de uma fenomenologia do artificial. O ser que quer o artifício tem
necessidade de uma tomada de consciência muito nítida. Essa tomada de
consciência é tanto mais vigorosa quanto mais fluente é seu objeto. No problema
do ser que se dissimula vê-se em ação a manutenção de uma consciência de dissimulação.
Deve-se reconhecer, pois, nas interpretações de máscaras, maior estabilidade do
que em outros fantasmas.52
Oferecer autenticidade ao artificial e inseri-lo no mundo dos fenômenos
exige capacidade criativa. A criação literária, para manifestar-se com
grandeza, necessita de um talento criativo extraordinário, reformulador de suas
próprias realidades psíquicas. O Artista (aquele produtor de autêntica Arte
Literária), agora indivíduo consciente, não aceita mais a convivência insossa
com suas máscaras reais. Retomar ficcionalmente o rosto primitivo, diluindo-o
em seus personagens, é um exercício de poder. É o poder daquele que se
retrocede ficcionalmente ao passado e retoma o início de sua trajetória de
dissimulação. Recupera conscientemente a máscara virtual, retirando-a do
passado sob a forma de narrativa, e fragmenta-a em diversas novas máscaras.
Cada personagem revela parcialmente um pouco do que foi visto e vivenciado nas
origens. Cada personagem é parte viva de suas primeiras e verdadeiras realidades
psíquicas. O Artista tem plena consciência dessa nova e intermitente
dissimulação de seu próprio eu. Todos os seus personagens são partículas vivas
de seu íntimo, por conseguinte, eles também, máscaras virtuais, passíveis de
alcançarem vida estável no plano das
probabilidades fenomênicas.
Em meio a suas diversas máscaras sociais, quis (e conseguiu) retomar o
rosto da infância, com a colaboração da Arte Literária. Com esta atitude,
refortaleceu-se socialmente, idealizando o sertão, recuperando-o sob novas
imagens, fornecendo novos traços decisivos para a fisionomia do sertanejo
secularmente rejeitado na hierarquização social.
A máscara nos ajuda a afrontar o futuro. É sempre mais ofensiva do que defensiva. (...)
Se forçarmos um pouco as relações entre a figura e o rosto, se integramos a máscara, parece que a
máscara pode ser a decisão de uma vida nova. Ela liquidaria de uma vez o ser
que se oculta. Seria um motivo para afirmar uma segunda vida, um renascimento.
Ainda que se examine o problema de muitas maneiras, é necessário chegar à mesma
conclusão: a máscara é um instrumento de agressão; e toda agressão é uma
atuação sobre o futuro.53
No decorrer da Entrevista ao alemão Günter Lorenz, Guimarães expõe suas convicções genuinamente
verdadeiras. A retomada de seu antigo rosto, sustentada na sua criação
literária, conscientizou-o de seu poder individual. Agora, o ser especial,
oriundo de um pequeno burgo do sertão, não necessita defender-se do grupo
citadino debaixo de diversas máscaras sociais. O escritor (médico, diplomata,
soldado, poliglota e outros diversos talentos) sabe que já está temporalmente
afastado de suas origens, mas sabe também que já adquiriu o direito de se
nomear sertanejo, orgulhosamente afrontando
um grupo de intelectuais pernósticos, que, segundo suas próprias palavras, só
sabem transmitir “bolas de papel”54. Nesta vida nova, já
conceituado pela elite sócio-intelectual e, inclusive, por esse mesmo grupo que
finge não perceber a agressão do
Artista, liquida de uma vez o que
buscou ocultar em anos de convivência com o mundo citadino. Afirma assim uma
nova vida, um renascimento, uma adesão aos planos superiores da pura
individualidade.
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